segunda-feira, 21 de julho de 2014

Conversando sobre a educação da Criança

Estou aproveitando as férias para colocar as leituras em dia e o último concluído foi "A educação da Criança segundo a Ciência Espiritual", da coleção "Textos Escolhidos" (Rudolf Steiner). E o que senti lendo esse livro?!? Êxtase, euforia, deslumbramento, comichão e uma alegria imensa de poder desfrutar de suas palavras.

Já era noite, eu lia deitada na cama e o que eu ia lendo me parecia muito mais uma conversa que uma leitura e quando terminei minha sensação foi: "Mas já acabou?!? Vamos continuar a conversa!". Eu já estava com outro na fila de leitura (Andar, Falar e Pensar, também desta coleção), mas não consegui fazer a fila andar, pois a conversa tinha sido tão boa, que no mesmo instante em que terminei de ler, comecei a reler o mesmo livro!
"A vida atual coloca em questão muito do que o homem herdou de seus antepassados. É por isso que surgem tantos 'problemas modernos' e 'exigências da época'. Que tipo de 'problemas' perturbam o mundo hoje? A questão social, a questão do feminismo, problemas educacionais e escolares, problemas relacionados ao direito, à saúde, etc. Pelos mais diversos meios procuram-se soluções para estes problemas, sendo incalculável o número dos que afirmam terem esta ou aquela 'fórmula' para resolver este ou aquele ou, pelo menos, contribuir com algo para sua solução. E nessa situação fazem-se valer todos os matizes possíveis do comportamento humano: o radicalismo, que toma ares revolucionários; as tendências moderadas, com respeito pelo existente, querendo desenvolver o novo; e o conservadorismo, que logo se agita quando se toca em antigas instituições ou tradições. E ao lado dessas atitudes principais, existem inúmeras intermediárias."

Assim começa o texto, extremamente atual apesar de ser resultado de palestras proferidas por Steiner em 1907. E partindo daí, ele expõe a necessidade de conhecer a essência do ser humano, indo além da concepção científico-materialista, e coloca o desvendar desse conhecimento como objetivo da Ciência Espiritual.

Segundo a Ciência Espiritual, o ser humano é formado por 4 corpos:
 - o físico, também comum aos minerais, vegetais e animais;
 - o etérico ou vital, que o homem compartilha com os vegetais e animais;
 - o astral ou das sensações, compartilhado apenas com os animais;
 - o eu, presente apenas no ser humano.

Conforme fui lendo as características de cada um dos corpos, principalmente quando ele fala da ação transformadora do eu sobre os outros corpos, lembrei do poema "Lava-Pés", de Christian Morgenstern:

A ti agradeço, pedra silenciosa,
E me inclino em reverência:
A ti devo meu existir de planta.

A vós agradeço chão florido,
E me inclino em reverência:
Vós me alçastes a ser o animal.

A vós agradeço, pedra, planta e animal,
E me inclino até vocês:
Me ajudaram, os três, a ser quem sou.

Nós te agradecemos criança humana,
E nos inclinamos diante de ti:
Por existir é que existimos.

Emana a gratidão,
Do Uno e novamente do Múltiplo Divino.
Na gratidão entrelaçam-se todos os seres.

Em seguida, Steiner faz a afirmação de que a educação atua sobre esses quatro corpos e, portanto, todo educador deveria ter conhecer suas características para agira corretamente.
Em termos de idade, desenvolvimento e formação temos a seguinte divisão para os os corpos:

Idade
Atividade
Pré-Natal
Formação do Corpo Físico
0
Nascimento do Corpo Físico
0-7
Desenvolvimento do Corpo Físico
7 (chegada da dentição permanente)
Nascimento do Corpo Etérico
7-14
Desenvolvimento do Corpo Etérico
14
Nascimento do Corpo Astral
14-21
Desenvolvimento do Corpo Astral
21
Nascimento do Eu

Diante desse quadro, é importante lembrar que todo nascimento de um corpo, é precedido por sua formação, assim como o corpo físico antes de nascer ser forma no útero.O período de desenvolvimento de um corpo abrange a formação de seus corpos superiores, que estarão prontos para nascer seguindo as idades mencionadas.

Para o primeiro setênio, a imitação e o exemplo como características que guiam o relacionamento da criança com o mundo. Ela é uma esponja que absorve tudo que está em seu ambiente:
"O que acontece no ambiente físico a criança imita, e essa imitação confere aos órgãos físicos suas formas definitivas. Devemos considerar o ambiente físico em sua acepção mais ampla, incluindo nele não apenas o que se passa materialmente ao redor da criança, mas tudo o que ocorre, o que seus sentidos percebem - o que, partindo do espaço físico, é suscetível de agir sobre as forças espirituais. Isso inclui todas as ações morais e imorais, inteligentes e tolas que a criança possa perceber".
Ainda neste período, Steiner destaca o papel dos brinquedos, que são fundamentais para plasmar a fantasia no cérebro da criança. Uma boneca industrializada, "perfeita demais", acaba por tolher toda a fantasia que uma criança exercitaria ao brincar com uma boneca feita com um guardanapo dobrado (duas pontas serão os braço, outras duas as pernas, um nó servirá para a cabeça), pois essa última lhe possibilitaria o exercício de imaginar a figura humana a partir dela. E termina com o desafio:
"Deve-se observar rigorosamente que ao seu redor nada ocorra que ela não deva imitar".
Durante o segundo setênio começa a surgir a aspiração a ideais e a autoridade. Nesta fase de desenvolvimento do corpo etérico, ficam as seguintes ressalvas:

  • a veneração e o respeito farão com que ele cresça de forma sadia; 
  • são as imagens, e não os conceitos abstratos, que o alimentam;
  • o trabalho com a memória irá fortalecê-lo;
  • a importância de cultivar o sentido do belo e o despertar da sensibilidade artística;
  • a música como o elemento que trará a capacidade de sentir o ritmo oculto em todas as coisas.
O período de desenvolvimento do corpo astral é aquele em que o jovem começa a estar preparado para lidar com representações abstratas, com a formação de juízo, com a autonomia do intelecto. Aqui o destaque fica para a questão de não estabelecer julgamentos precoces; de permitir que o ver, sentir, captar e o assimilar aconteçam sem que um julgamento imaturo se apodere do assunto. É preciso exercitar o escutar sem tomar partido:
"O intelecto só deveria opinar sobre qualquer assunto depois de terem falado todas as outras forças anímicas; antes disso, ele deveria desempenhar apenas um papel mediador. O intelecto só deveria servir para captar e assimilar livremente o que o indivíduo viu e sentiu, sem que o juízo imaturo logo se apoderasse do assunto. Por esse motivo, seria indicado poupar ao jovem todas as teorias antes da idade mencionada, ressaltando-se a importância do fato de ele enfrentar as experiências da vida para acolhê-las em sua alma. O adolescente pode, evidentemente, familiarizar-se com o que outros opinaram a respeito disso ou daquilo, mas convém impedir que se engaje numa opinião por meio de um juízo prematuro. Ele deveria aceitar tais opiniões com o sentimento de escutar o que o outro disse a respeito de algo, sem logo tomar partido."

E, novamente, o desafio: 
"Para cultivar essa atitude, mestres e educadores devem, naturalmente, dar prova de muito tato, mas é justamente a mentalidade científico-espiritual que pode gerar esse tato."

O texto é finalizado com a afirmação de que a Ciência Espiritual se aproximará de cumprir sua missão se:
1. Houver um abandono de preconceitos, o que só acontecerá através do estudo sério;
2. Conseguir evoluir de maneira sadia, através do movimento de tornar suas doutrinas fecundas em todas as situações da vida, ao invés de ficarem restritas como teorias a respeito da vida.

 Eu já tinha tido contato esses conceitos em outras leituras, mas a maneira como eles se abriram pra mim nesse texto foi realmente especial. Enfim, leitura mais que recomendada e fundamental para todo adulto educador!










sábado, 12 de julho de 2014

Uma odisseia

Quando fui à Festa da Lanterna na Escola Waldorf Francisco de Assis, em São Paulo, visitei a sala de aula do 7o. ano e as primeiras palavras que me vieram foram: "Eu quero voltar para a sétima série!". As cores, as ilustrações, o aroma, a beleza em cada detalhe... me vi ali, uma garota de 13 anos, ansiosa para aprender tudo que aquela sala oferecia.
Ontem, relembrando isso e pensando a respeito, me dei conta de que quando você se torna professor, você volta a ser aluno. Assim tem sido comigo:

  •      percebo que agora desenho muito mais tranquilamente formas geométricas à mão livre e que estranho a presença da régua;  
  •      percebo o quanto as histórias que conto tem me nutrido e curado;
  •      o deleite de uma aula principal bem dada, puro alimento;
  •      e o ápice foi voltar a pular amarelinha aos 37 anos!

Estou lendo "School as a Journey: the Eight-year Odyssey of a Waldorf Teacher and his Class", do Professor Torin M. Finser, à venda na Livraria Cultura. É um relato apaixonante dos 8 anos em que Torin atuou como professor de classe, acompanhando, pela primeira vez, uma turma desde o primeiro ano. E na leitura de ontem me deparei com o seguinte trecho:
"Para me tornar um novo professor no segundo ano, eu tive que me tornar um aluno do segundo ano novamente. Pintei as mesmas aquarelas, fiz o papel de lobo ou cordeiro em nossa peça, desfrutei das mesmas canções. E vivenciar as imagens de santos e lendas me ofereceu algo pelo qual lutar e de novo eu achei que só depois de contar as histórias é que eu comecei a entender o significado das palavras que eu dizia. A prática artística estava demandando exaustivamente de mim, mas ao mesmo tempo, era extremamente renovadora. Depois de uma boa aula principal, eu sempre notava uma mudança em minha respiração: era de alguma forma mais profunda, mais saudável."
É exatamente o que acontece comigo!!!
E por isso acredito tanto na Pedagogia Waldorf!  Vejo a transformação acontecendo em meus alunos e em mim e quando se vivencia isso, não resta dúvida, mesmo diante de tantas questões que ainda não consigo responder. Mesmo que me falte ainda um bom caminho de entendimento, que tento construir através da leitura, do estudo da Antroposofia e da Pedagogia, o que sinto como mais importante é que a vivência fortalece essa caminhar, o fazer e o sentir suportam o entendimento.

Como bem coloca o professor Torin, uma verdadeira odisseia!